INSÔNIA
Ele passeava sem rumo, simples, sentindo o chão sob seus pés descalços, toda a textura, o relevo veloz... Vez por outra, uma brisa desarrumava-lhe os cabelos negros. Naquele dia ele acordou e decidiu-se por uma vida adormecida. Queria verdadeiramente dormir até morrer, não como forma de suicídio, simplesmente a opção mesma de viver a sonhar. Apenas ser e estar acordado já não tinha mais sentido, qualquer que fosse. Para ele, tudo o que precisava saber, sentir, viver já se consumara. Agora era hora de dormir, para por os sonhos em prática. Ou talvez fosse o contrário, quem sabe?
Enquanto suas pernas pensavam, sua cabeça se esvaziava, e foi seguindo assim, até que se viu adormecido, imóvel, ouvindo a própria respiração, o ritmo cardíaco, o sangue circulando por veias e artérias, os pelos do corpo arrepiando-se, ao mesmo tempo em percebia-se em pleno movimento aleatório, livre dos caminhos caminhados.
Pessoas começaram a cruzar-lhe o caminho, ou talvez o caminho começasse a cruzar as pessoas, tudo ao mesmo tempo, como numa irrealidade concreta, uma dúvida incerta. A possibilidade de ser escolhido como uma escolha e ser esquecido tacitamente. Sem direção ou sentido, apenas a sensação do que se lhe apresentava ou desviava, nada além de nada.
Diálogos possíveis, conheceres e reconheceres, imagens e sons inéditos, tudo cabe, tudo se faz imune, impune, e o lume também enegrece, parte da parte que não se sabe. Durante instantes imensuráveis pode vivenciar momentos aparentemente previstos. Mas o que realmente importa é a percepção de que tudo se encaixa a uma nova forma de olhar aquilo que é e não é, sem juízos, sem valores.
Pensou então sobre o que já disse o poeta, “viver é melhor que sonhar”; mas sonhar não é também parte do viver? A própria questão em si já se faz resposta, ao mesmo tempo em que desfaz e renova a dúvida. A consciência de si já traz em seu bojo a própria inconsistência.
E nada mais há que se dizer. O cabo do corpo é o porto.
quarta-feira, 6 de maio de 2015
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