terça-feira, 27 de abril de 2010

A ÁRVORE

A ÁRVORE

Sentado no banco da praça, ele observava os transeuntes, suas roupas, seu jeito de caminhar. Estava bêbado, completamente bêbado. O dia estava muito quente, fazendo com que transpirasse muito. Além disso, cheirava a urina, como se tivesse feito nas calças.
De um lado da praça, o viaduto. No meio da praça, uma estátua encardida, cheia de fezes de pombos e desgastada pelo tempo. Do outro lado, um prédio muito alto e antigo, com alguns andares habitados por mendigos, vidraças quebradas e um bar no andar térreo, com algumas pessoas bebendo cerveja. Eram todos homens.
Ele se levantou do banco, ficou parado por um instante, como que flutuando, olhando ora para o bar, ora para o viaduto, as idéias embaralhadas. Começou a caminhar em direção ao viaduto mas desistiu, voltando-se ao bar. Antes mesmo que entrasse, o balconista gritou lá de dentro:
- Sai fora!
Imediatamente ele parou e ficou olhando para o balconista por muito tempo. As pessoas de dentro do bar começaram a rir. O balconista, meio sem jeito, continuou falando para que ele fosse embora, sem resultado. Pessoas que passavam pela calçada olhavam curiosas para aquele homem. Algumas sorriam, outras passavam cabisbaixas, olhando de soslaio, as crianças gritavam.
Uma hora se passou, sem que aquele homem se movesse. Pessoas saiam e entravam no bar. Do outro lado, no viaduto, alguns passantes começavam a se aglomerar no muro, a fim de olhar aquele “louco”. Ele continuava olhando em direção ao balconista, que já não sabia mais o que fazer para afasta-lo dali. Na praça havia um princípio de aglomeração. Trabalhadores, mendigos, senhoras, crianças, vendedores ambulantes, desocupados, bêbados e cachorros. Surgiam comentários, os mais diversos, sobre o motivo daquele acontecimento.
- É louco!
- Só pode ser.
- Eu acho que é promessa. Dizem que a filha dele morreu atropelada bem na frente daquele bar.
- O cara tá bêbado!
O Balconista resolveu sair do bar e tirá-lo dali. A essas alturas muita gente se encontrava em torno do homem. Duas horas haviam se passado. Os mais sacanas já o haviam apelidado de “poste”.
- Vamos saindo daí, xará, se não o pau vai comer.
Nada. O homem estava mesmo numa espécie de transe. Alguns começavam a se perguntar se ele não estava em estado de coma. Outros achavam que podia ser uma espécie de ataque cardíaco. Um homem que se dizia Pai-de-Santo, resolveu fazer um “trabalho” ali mesmo, dizendo que aquele “cavalo” estava com o Pai-Cruzeiro no corpo, precisava de um “passe”. Alguém telefonou para o “Aqui-agora” avisando sobre o fato. Minutos depois a equipe de reportagem estava no local. Os repórteres faziam perguntas às pessoas no entorno, tentando saber mais sobre aquele indivíduo. Finalmente um cinegrafista se aproximou dele, fez closes de vários ângulos. O repórter meteu-lhe o microfone na cara para ver se conseguia uma entrevista, sem resultado.
Já estava escurecendo. A praça estava lotada de gente. O viaduto também. Todas as emissoras de rádio e TV da cidade estavam no local. A polícia foi chamada. Agora sim, as coisas seriam resolvidas. Finalmente seria desvendado aquele mistério. Os guardas iriam verificar sua documentação e os repórteres poderiam divulgar a história daquele homem, pobre homem.
Mas a polícia demorou a chegar. Não era nenhuma emergência. Já havia escurecido quando eles chegaram, com todo aquele aparato militar. Sirenes ligadas, policiais com meio corpo para fora das janelas da viatura, holofotes na cara dos curiosos, armas em punho. O “poste” continuava imóvel.
Um dos guardas se aproximou e ordenou: “Mãos na cabeça!” Nada... “Deitado no chão!” Nada, novamente. O público começou a rir. Os policiais se sentiram humilhados. “Vamos circular, pessoal! Isso aqui não é nenhum circo. Vamos circular!” Ninguém arredou o pé do lugar.
Depois de alguns minutos, os guardas resolveram abordar o “elemento” corpo-a-corpo. Pularam sobre ele, mas não conseguiram derruba-lo. Aliás, ele não se movera um milímetro. Alguém gritou lá do público: “Pega os documentos dele!” Enfiaram as mãos em seus bolsos, mas não encontraram nada. Nem documento, nem dinheiro. Nada!
Um pouco mais calmos, os policiais começaram a interrogar testemunhas. O primeiro foi o balconista do bar.
- Pois é, seu guarda, ele tava querendo entrar aqui no boteco, daí eu gritei pra ele ir embora. Ele tava meio cambaleando, e eu não tava a fim de aturar bêbado. Daí, ele parou ali mesmo, e não saiu mais do lugar. Foi isso que aconteceu. Faz umas horas já que ele está ali, no mesmo lugar.
Esse foi o depoimento de várias pessoas. Os guardas resolveram tirá-lo dali. Dois soldados pegaram seus braços e tentaram levantá-lo. Não conseguiram. As pessoas em volta começaram a rir de novo. Nova tentativa, outro fracasso. Um dos guardas sacou seu revólver e deu a ordem: “Você tem cinco segundos para sair daí, senão eu atiro”. Bem, o homem não saiu. O sargento resolveu então ligar para a delegacia e pedir ao delegado alguma sugestão para resolver aquele caso. O delegado não se encontrava, nem o escrivão. Apenas alguns policiais e muitos bandidos presos.
A noite já avançava. Muitas pessoas foram embora, pois tinham que trabalhar no dia seguinte. De madrugada alguém se aproximou do homem e percebeu que sua pele estava mudando de cor. Quando chegou mais perto, pôde notar que de seus pés saiam algumas fibras, parecidas com raiz de árvore. A pele parecia estar escurecendo, ficando marrom. Como estava escuro, aquela pessoa não deu muito crédito ao que estava vendo, pensando tratar-se de ilusão de ótica ou coisa semelhante.
Os policiais ficaram de guarda na viatura. Vez por outra, um deles dava uma volta em torno do homem pra ver se acontecia alguma coisa. Foi numa dessas voltas que um deles percebeu que o rosto do homem havia desaparecido. Imediatamente o guarda deu um grito de pavor, fazendo com que os outros policiais corressem até ele. Todos notaram a mesma coisa: aquele homem não tinha mais o rosto. Não que a cabeça tivesse desaparecido. Ela ainda estava lá. O fato é que não havia mais boca, nariz, olhos, sobrancelhas. Imediatamente o sargento ligou para o corpo de bombeiros, o IML e para um pronto-socorro próximo dali.
Assim que chegaram, os bombeiro cercaram o local com tapumes de compensado, para evitar que outra pessoas se aproximassem. O médico legista e os demais médicos do Pronto-socorro vestiram-se a caráter, com máscara e luvas cirúrgicas.
O primeiro médico a se aproximar do homem foi um cardiologista. Com o estetoscópio numa das mãos e o medidor de pressão na outra, deu início aos exames para verificar se aquela pessoa estava viva.
O coração batia lentamente, a pressão estava baixa, não era possível perceber a respiração. Nessas alturas, o doutor verificou que as orelhas também haviam desaparecido. Em seu lugar encontravam-se galhos de árvore com folhas. Era inacreditável! Aquele homem estava se transformando numa árvore. Os outros médicos foram chamados. “Devemos tomar alguma providência” declarou um deles. Os demais, ainda estarrecidos, apenas balançaram a cabeça afirmativamente.
Estava amanhecendo. O grupo de médicos mandou que reforçassem o cercado e aumentassem o número de policias. Ninguém deveria se aproximar dali sem autorização prévia deles (os doutores). Imediatamente seguiram para o palácio do governo para comunicarem a ocorrência ao governador e pedir-lhe instruções sobre o que fazer.
Ao saber do fato, o governador ligou para o presidente da república para informá-lo e, ao mesmo tempo pedir instruções sobre o procedimento a seguir.
O presidente estava meio sonolento e pediu ao governador que telefonasse ao ministro das forças armadas, para que este tomasse as devidas providências. Depois ele falaria com o ministro.
Ciente da notícia, o ministro considerou a ocorrência como um caso de segurança nacional e ordenou imediatamente que se deslocasse para o local um pelotão do exército, com equipamentos de guerra (tanques, metralhadoras, bazucas etc.), bem como um corpo de médicos, enfermeiras e psicólogos militares. Além disso, todos aqueles que sabiam do caso deveriam ser recolhidos no quartel da região, a fim de receberem instruções sigilosas.
Algumas horas depois o ministro, o presidente e o governador estavam no local, juntamente com os soldados, os médicos, as enfermeiras e os psicólogos, todos espantados. A metamorfose já estava bem adiantada. Os pés já haviam se incrustado no chão, como raízes, arrebentando a calçada. Seu braços estavam arqueados para cima, como galhos cobertos por folhas. Do tórax, abdômen e costas, saíam pequenos galhos. A cabeça, juntamente com os braços, compunha a copa. O mais interessante é que alguns pardais e pombas já haviam se familiarizado com a “’árvore”, pousando em seus galhos.
Paralelamente, os médicos decidiram remover “aquilo” dali. Chamaram a secretaria municipal de obras públicas e também um grupo de botânicos para efetuarem a remoção com a maior segurança.
O grupo de trabalhadores chegou e iniciou a escavação ao redor da árvore. Na hora do almoço, todos pararam para uma rápida refeição. A árvore ficou sozinha. Ninguém sabe exatamente o que aconteceu. Enquanto todos comiam, a metamorfose aconteceu. A árvore se transformou num homem novamente. Como se nada tivesse acontecido, aquele homem empurrou o tapume e caminhou em direção ao bar. O balconista, que não sabia de nada, ficou meio desconfiado do outro e foi logo falando: “Se vai ficar parado que nem ontem, já vou avisando, cubro de porrada”. O homem apenas pediu um copo de água. Enquanto bebia a água, recebeu de um estranho um maço de cigarros e um isqueiro. Agradeceu a oferta, terminou com a água e saiu. E ninguém nunca mais o viu, nem os médicos, nem o balconista, nem os psicólogos, os botânicos, os repórteres. Nem os pardais, nem as pombas...

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